ÉDIPO NA POCILGA. Dramaturgia de Pier Paolo Pasolini

Alessandra Vannucci

O drama burguês e o protagonista desterritorializado

        Julian, o jovem protagonista de Pocilga (antes peça, depois roteiro, enfim, filme a que Pasolini se dedica entre 64 e 68) apresenta-se como herói dramático marcado pela sensibilidade patética do entendimento diante da fratura indivíduo-cosmo e obsessivo pela idéia fixa de sua própria insipiência das causas; citando as cáusticas burlas do duvidoso Hamlet ou dos heróis falidos de Buchner, esquiva-se de seu destino, estranha opções históricas e desconhece, desde a primeira cena, seu papel, intenções e ações no mundo fora do eixo:

JULIAN – Assobia
IDA – Julian!
JULIAN – Oba! Você chega no primeiro dia da primavera!
Eu nem sei quem sou. Oba!
Falaremos como dementes. Oba.
Esta não é uma primavera tranqüila.
Nossa Renania está em chamas, oba!
Eu com isso não quero dizer nada, nem que teu nome não é Ida, mas sim Ada.

(ep. I)

        Filho da burguesia, Julian surge na existência cênica encaixado no labirinto sistemático da concatenação social e incumbido da herança dos pais: se ele fosse movido pelo espírito trágico de um Édipo, deveria alcançar sua purificação num moto inevitável de consumação até o fim de sua aberração sofrendo, feito o herói trágico, as fatais (e exemplares) conseqüência expiatórias. Mas, por suspender a hierarquia generativa no perpétuo relativismo eversivo de filho esquizofrênico que foge ao julgamento pelo non-sense de suas respostas, exibe sua incompetência em atender ao papel esperado (obedecer ou desobedecer à lei paterna) e protela o êxito trágico (a expiação catártica como afirmação sentenciosa da necessidade que justifica o sacrifício do bode). ‘Despertencendo’ a qualquer território, desfamiliarizado por sua conduta com qualquer previsível normalidade, o ‘jovem’ Julian de Pasolini é um ‘diverso’ que carrega virtualmente todos os devires (filho, pai, mãe, animal, opressor e oprimido, mártir e carnífice, santo e pervertido), sem definir-se em algum. Exilando-se num tempo outro (‘natural’) que o abstrai do espaço sócio-histórico em que é situado, Julian passeia pelos campos da fazenda do pai e, deixando-se em seu nomadismo atrair pela retrocessão à lei fraternal de comunidades não civilizadas (os porcos e os "camponeses italianos"), Julian escapa à pulsão autodestrutiva que lhe é imposta como um privilégio de análise e que o coage a ser vítima de sua própria busca pela verdade:

IDA – Somos dois ricos burgueses eu e você, Julian.
O destino que nos fez encontrar não é bifronte.
Ele nos sorriu por dentro, com grande naturalidade.
Portanto aqui estamos, para nos analisarmos, pois este é o nosso privilégio.
JUL – Sem comentários. Falar de mim dói.
IDA – Que dor?
JUL – Uma dor que não pode ser nomeada. (ep. I)

        Em seguida, ingressando voluntariamente numa ambígua catalepsia que o aliena numa estase temporal sem ações nem opções, Julian consegue perpetuar-se ‘nem vivo, nem morto’, isto é, ‘nem obediente, nem desobediente’. Assim espoliado de sua herança histórico-social e reduzida sua existência expressiva ao mínimo vegetativo enquanto expande o elemento transgressivo introvertido, Julian por um lado, fomenta expectativas de um ‘milagre’ que signifique sua catarse físico-dramática, por outro, exalta a essência desejante da diversidade que o estranha de seu ‘feliz’ universo familiar e burguês – uma essência segreda, instintiva e provocadora, rica de uma intensidade que pertence ao regimento automático do caráter (punctum, estilo, traço natural do indivíduo), para além de qualquer possível interpretação/interação social. O enigma do caráter de Julian, refratário a caracterizações desde que recusa-se ao privilégio burguês da análise, não é comunicável, pois implica no ingresso numa economia aberrante de desejos fomentando a curiosidade mórbida dos pais pelo segredo nunca nomeado, que faz o jovem ser tão diverso. É com a violência da revelação desse mistério gozoso, não com sua expiação, que Julian acaba por provocar seu martírio, num epílogo brutalmente casual que envergonha a moral civilizadora burguesa, desmascarando a hipocrisia do real na renúncia do pai de trazer desta morte qualquer admonição: "PAI – Chegamos ao ponto em que, me parece, para você é impossível dizer mais, e para mim escutar" (ep. VII).
        Resgatando a resistência passiva como política de sobrevivência (já praticada por Hamlet, duvidoso ao mandato tão dramaturgicamente convencional do pai-fantasma, e por Bartleby, o escriturário de Melville que prefer rather not to), Julian desatende às expectativas do ‘bom senso’ e desestabiliza o princípio de vontade (para além da incidência de destino ou acaso) que qualquer conflito mundano ou extra-mundano implica; no momento em que afirma com ambição apocalíptica sua auto-redução a uma lógica estranha – a uma moral provisória, empírica e radicalmente relativista – instala uma tensão explosiva na raiz do poder da razão civilizadora (aliada ao princípio de obediência/desobediência à lei paternal). Se aparentemente seu anarquismo antiburguês ainda repete a revolta de qualquer filho burguês desobediente, o senso que afinal emerge da aniquilação de sua terrível diferença não se circunscreve ao desconforto de uma classe social, mas o supera, tornando-se representação de um sacrifício ritual.

Capitalismo e esquizofrenia

Protagonista é um jovem. Este jovem é filho de um grande empresário de Bonn. E tem o garoto, uma anomalia sexual que não se encaixa em nenhuma tipicidade, um caso clínico (…) ele obtém o orgasmo transando com porcos. A relação sexual não é mostrada e sua influência é meramente simbólica. Pois os porcos representam, afinal, a sociedade com a qual ele vive, isto é, seu pai e sua mãe. Acontece que o pai é homem tradicional, um paleo-industrial, digamos. Pertence ao velho capitalismo e, portanto leu os clássicos, leu Kant, e também Brecht, viu os desenhos de Grosz, em que os ricos são representados como porcos gordos. Este grande industrial de Bonn tem um rival, que ao contrário é neo-capitalista, liberal, suas indústrias têm uma estrutura moderna e teimam destruir o velho capitalista de Bonn. Então, o velho capitalista tenta mediante um detective particular destruir o inimigo neo-capitalista. E quase consegue, porque descobre que se trata de um ex-criminal nazista que fazia coleção de esqueletos de judeus na Universidade de Salzburg. Porém, no instante em que está no ponto de destruí-lo, o rival se apresenta e por sua vez o destrói. O fato é que o rival também havia feito a mesma operação mediante um detective e havia descoberto que o filho do outro transa com porcos. Os dois se chantageiam e querem destruir-se mutuamente. Ao invés de destruir-se, resolvem fundir suas duas indústrias. Durante a festa da fusão, o jovem vai à pocilga como sempre, e os porcos o devoram

        Funcional à representação ficcional da diversidade, a ‘anomalia’ de Julian não é jamais nomeada na peça, visando a simbolizar qualquer menoridade que o sistema capitalista – pelo paradigma da normalidade otimizando a confluência dos desejos num padrão permitido e instrumentalizando o poder da razão como lei gregária de bom-senso – guetiza ou elimina. A pocilga e os porcos, lugar e objeto da transgressão mediante os quais o ‘diverso’ aliena-se do contexto social, tornam-se então refúgio do indivíduo contra a coação do consenso, topos onde localiza-se a busca da razão pura que recusa-se a ser normalizada pelo mecanismo econômico-social dos interesses capitalistas.
        Ainda que somente aludido, no final da peça, pelo relato do camponês que descreve o desmatamento do bosque que separava as pocilgas do espaço legitimado pelo poder (de maneira que "ficou tudo descoberto: agora podem controlá-lo de mais de um quilômetro de distância", ep. XI), o gueto reafirma a fome de verdade que, expressa pelo radical desvio da anomalia descrita e pela sua intensidade física, anima a irredutível peculiaridade perceptiva e desejante do indivíduo. Trata-se de uma busca mística, herética e não socializável, que naturalmente não tem curso histórico, porque a razão prática da ordem/progresso capitaliza qualquer conhecimento.
        A opção (hamletiana) reservada para Julian é ficar no mundo, exercendo a resistência como ética de liberdade, ou sair dele (de negá-lo morrendo) diante da epifania do Deus-logos que, ao invés de diluir-se em pragmática ratio, inflama-se numa visão/percepto sensível. Sua (hamletiana) impotência é da ordem epistemológica: não sabendo resolver em nova ordem o dilema entre aceitação da ordem passada e ressurreição do presente, pois é incapaz de outro instrumento afora a razão, a mesma que produziu o mundo capitalista e avalizou suas obras e história, sendo inclusive manipulada para demonstrar seu próprio desequilíbrio de filho ‘diverso’, Julian reduz-se à imobilidade como ‘figura’ de uma discrasia obsessiva entre pensamento e ação. Não casualmente, para abjurar a razão, Pasolini evoca o ‘velho’ Espinoza, que "há muito tempo segue" o ‘jovem’ Julian em seus passeios à pocilga.


Julian - Você é o novo doutor?
ESpinoza - Não. Eu sou Espinoza.
Julian - Quem?
ESpinoza - Espinoza!
Julian - Aqui? Na pocilga?
ESpinoza - Sim, aqui com você na pocilga.
Julian - Ora essa...
ESpinoza - Claro, falta resolver qual é na verdade a pocilga; eu, de qualquer maneira, do salão e do jardim onde se festeja a Fusão vim atrás de você que como sempre se safou por aqui, na pocilga dos porcos. […] Eu, filósofo primeiro da Razão, deveria aconselhar-te: ‘Fale, coma, fique alerta, trabalhe, aja, não some!’ Mas, objeto da minha razão era Deus. Não posso querer que você viva por fome de verdade. Portanto, morra, se isto te agrada: saia do mundo.
Julian - Do mundo do Sr Herditze e do Sr Klotz?
ESpinoza - Do mundo do Sr Herditze e do Sr Klotz, e do contrário.
Julian - Estou há muito fora do emaranhado deste contrário.
ESpinoza - Mas sem nunca ter entrado nele de verdade. ESpinoza - A previsão daquilo que você seria hoje,
nesta pocilga onde você veio todo dia
pra perder numa masturbação ou num raptus místico, as relações com o mundo.
Julian - Tà. E pra que isso, então, além do prazer
de perder a razão?
ESpinoza - Pra ter aquilo que você julga ser a sua felicidade!
Julian - Pois é! Eu sou o homem mais feliz desta terra.
ESpinoza - Simplesmente sendo feliz, você é. O seu ser te expressa. Não sei definir este ser que seu pai denomina ‘nem obedecer, nem desobedecer’. Mas é um fato: muitos santos pregaram sem dizer uma palavra – com o silêncio, com a morte. Ah, eles não procuraram fazer discursos que pudessem ser definidos racionais!
(ep. IX)

        Não reprovando, mas simpatizando com o pervertido martírio de Julian (apóstata da razão normalizadora quando esta encena a integração do filho rebelde), em nome da diversidade, Espinoza festeja sua própria expulsão do gueto (onde ela se torna denominador comum) e desqualifica a razão ("que já era científica e burguesa!") como instrumento digno da busca mística – pois a razão não se coloca a serviço da verdade (sempre qualitativamente outra, herética), mas sim, do capital (pragmatismo quantitativo ditado pelo bom-senso). à irremediável vulgarização histórica da razão, o esquizo na pocilga opõe a revelação, marcada pela denegação, de uma ‘verdade’ que se identifica com o ‘puro nada’ para além da necessidade de procurá-la e exalta sua irredutível testemunha de diversidade, não pela "liberdade da heresia e da revolução", mas pela poderosa inutilidade do martírio.

"ESPINOZA - Mas, uma vez que, explicado Deus, a razão esgotou sua tarefa, ela deve denegar-se: somente Deus permanece, nada mais do que Deus" (ep. IX). Deus, este Ser perceptivo único, inatingível pela dialética progressiva da razão, reafirma-se na linguagem não-racional da paixão e do padecer – deste deus o esquizo, abandonando-se na pocilga ao fluxo natural do desejo, é o santo cristo (bode e testemunha).

Passeio do corpo sem órgãos

        Na filosofia de Espinoza, a autonomia desejante do corpo, em que incide a força genreadora de um deus ‘naturado’ (o que Lucrezio descreve como voluptas cósmica), contraria o despótico domínio do dualismo significante/significado e sensação/razão, estimulando a elaboração da ética como política dos devires e das incorporações (os encontros entre corpos), como singularização e não-racionalização dos afetos. A sexualidade empírica a qual Julian é conduzido por sua peculiar libido – uma busca de felicidade pela inclusão em outra comunidade terrestre, isto é, na natureza – aponta para formas intensivas de desejo totalmente anômalas à estrutura familiar civilizada e reorganiza seu corpo como um percurso orgânico, contudo, sem estratificações e ‘sem órgãos’ (Deleuze&Guattary: 1995). Recusando-se a estruturar sua presença em relação dialética com o poder, com sua apatia que esquiva a lei divide et impera do domínio patriarcal, Julian é entregue pelo próprio à justiça do Deus burguês – um confortável Pai cujos exclusivos "procedimentos secretos" assumem, aos olhos deste, "caráter, sem dúvida, muito alemão":

PAI - Meu filho, veja bem, não era um filho obediente; mas tampouco era um filho desobediente. Se ele tivesse me obedecido, eu o teria recolhido debaixo de minhas asas, e juntos teríamos voado sobre as gloriosas fábricas da nossa Colonia. Se ele tivesse desobedecido, eu o teria esmagado. Mas, com um filho nem consenciente nem dissentâneo, eu nada poderia fazer. Assim, Deus pensou nele. O que Deus fez de Julian? Como ele não queria fazer nada, o fez morrer; porém, como queria fazer algo, o deixou viver. Ócio, greve ou exílio, eu não sei; Julian está lá, no quarto dele, como um santo empalhado, nem morto nem vivo. Metade do meu coração de pai sofre por sua morte, metade alegra-se por sua vida. Mas afinal, quais são as novas? (ep. VI)

        Arriscada de coação (em posição horizontal de divã psicanalítico) pelo oportunismo cínico com que o pai explica as previdências divinas – reduzidas a bom-senso operativo –, a máquina esquizofrênica de Julian torna-se num teatrinho autístico bom para comover espectadores enquanto os protege da revelação da verdade.

Ida – O que houve, que te deixou para sempre aqui, estatelado e estupefato?
Julian – Oh nada com certeza: uma folha esvoaçante, o chiar de uma porta, um grunhido…
Ida – Porque brincas sempre assim, você, que é tão pouco brilhante!
Julian – Porque se você me visse nem um só instante como eu sou de verdade,
fugiria atemorizada para chamar um doutor e até uma ambulância, oba!

        A mascarada é um dos ‘infames experimentos’ de estranhamento com que Julian escapa à coação do sistema familiar (não obedece nem desobedece ao pai), político (não discorda nem concorda com os estudantes que, por protesto, vão ‘mijar’ no muro de Berlim) e sentimental (não aceita nem recusa o amor de Ida), para chegar (na ‘ambígua catalepsia’ em que rejeita qualquer comunicação) ao ensaio geral do desprendimento do mundo em que "os homens lutam por sua escravidão como se estivessem tratando de sua salvação" (Espinoza, ep. X). Em cena, seu êxodo demencial suscita o desregramento de todas as relações territoriais e sociais, que se tornam contraditórias quando a ele aplicadas:

Mãe (observando Julian em coma) – Era orgulhoso.
Ida – Orgulhoso? Não, ao contrário! Era pronto a todas as baixarias, era completamente desprovido de orgulho, Julian!
Mãe – O quê? Quando criança não pedia nunca perdão, a ninguém…
Ida – Eu mesma o ouvi mil vezes pedindo perdão!
Mãe – Você é louca! Ele não voltava nunca à mesma decisão.
Ida – Não tomava decisões…
Mãe – Hein? Não era inteligente; mas firme em suas idéias.
Ida – Pelo contrário, ele era muito inteligente. Nunca encontrei alguém tão irônico quanto ele.
MãE – Julian era totalmente desprovido de qualquer humorismo. Aliás, cultuava o exército: ele queria tornar-se soldado, igual seu avô, meu pai, que venceu em Kerenskij sobre a Vistola.
Ida – Ele não odiava nem amava o exército: isto também lhe era indiferente. Talvez nem soubesse que existem exércitos, embora nunca quis manifestar conosco contra a guerra.
Mãe – Adorava os filmes de espionagem e os bangue-bangue!
Ida – Não gostava de cinema… mas se assemelhava a Charlot!
Mãe – Charlot? Você não o enxerga? É um São Sebastião maneirista!
(ep. V)

        A ‘máquina celibatária’ de Julian, cuja busca pela ‘verdade’ é movida a amor – irrestrito e livre do objeto –, qualifica pela intensidade (e não pela dignidade do objeto) os processos de produção de desejo. Esta é a descoberta essencial do ‘ser eu’ que Julian mantém secreta, porque nomeá-la significaria permitir sua redução à afeição patológica padronizada pelas categorias psicanalíticas edípicas – que Deleuze e Guattary parodiam no ‘segredinho sujo papai-mamãe’ – responsáveis por paralisar numa tétrica representação de nevrose o processo dissocial, delirante e místico do esquizofrênico. A admissão de um objetivo para o desejo implica na renúncia à estraneidade irredutível, porque desejar alguém afora a mãe (ou a irmã) significa sair do sistema edípico para imediatamente reproduzi-lo, engendrando um novo triângulo pais-filho. Neste, os filhos, sejam macho ou fêmea, participam da estratégia de poder pai-mãe – identificados ao masculino, os ‘pais’. Assim, Ida, que, rejeitada por Julian, casa-se com um "imberbe coroado de barba" (ep. VIII), isto é, com um filho-pai, é utilizada pelos ‘pais’ de Julian como testemunha do rebaixamento do macho ‘diverso’ à moral comum:

Mãe– De quem é apaixonado este meu pobre Julian?
Ida – Não sei. Se ele tivesse falado, agora não seria desse jeito, tudo estaria conforme as regras: bastava nomear … aquilo que ele ama e tudo se resolveria, bem ou mal.
Mãe – Por que você diz ‘aquilo’ e não ‘a mulher’?
Ida – Porque tudo que eu sei daquilo é apenas que é. Mas… ele transou com aquelas mulheres?
Mãe – Claro que sim, é natural… pelo amor de Deus, coitada, não chore agora.
(ep. V)

        Assim analisada desde Kant, a lógica capitalística do desejo funda-se na falta de um objeto necessariamente desejado, a estrutura econômica encarregando-se de reproduzir o dito objeto em escala industrial, mediante organização despótica dos desejos em ‘posse’ de coisas e corpos, cuja fantasmagoria passa a ser representada na discursividade civilizada. O esquizofrênico, ao contrário, exerce seu auto-erotismo num delirante eu-mundo dissociado do universo produtivo; sua busca de prazer não visa a possuir um objeto, pois desejada é somente a perpetuação da intensidade numa errância nômade, narcisista e alienada que foge ao controle (territorializante e nomeador) do sistema psicanalítico-político-econômico: "O esquizo, com seu passo vacilante que não pára de migrar, de errar, de cambalear, mais e mais se aprofunda na desterritorialização marcada em seu corpo sem órgãos ao limite extremo da decomposição do socius; sendo talvez esta sua maneira de reencontrar a terra: o passeio do esquizo" (Deleuze & Guattary, 1972:38).

O canibal devorado

        A ‘anomalia sexual’ de Julian qualifica-se, portanto, como desejo levado até o limite extremo e não representável da aberração esquizofrênica: a intensidade dos perceptos em seu ‘corpo sem órgãos’ coincide com uma radical neutralidade às aproximações normalizadoras (amor, militância, cura, perdão ou castigo). Pela obediência, bem como pela desobediência, revigora-se a lei paternal da civilização burguesa; a apatia do esquizo ignora tal lei, pois subjaz a outro e mais exigente regime de desejos pertencente ao universo primitivo das máquinas totêmicas não socializadas – incesto, parricídio, canibalismo, zoofilia. Nelas, o transgressor opõe à vontade ativa e dominável da posse (legitimada pelo sistema hierárquico do poder capitalístico), a euforia do padecer (voluptas), perpetuando sua submissão ao fluxo dolorífico, onde se canalizam intensidades em evolução exponencial, dos perceptos/afetos sem objeto.
        Apocalíptico, o fluxo nega o princípio construtivo do progresso, visando a alcançar estádio moral superior, e instala o vício regressivo que faz da relação entre civilização e barbárie (entre homem-história e homem-natureza) um eterno retorno, com Nietzsche. O código absoluto do fluxo erótico confunde todos os outros, recusando-se o acometido de assumir seu sexo – pois na geração que finaliza a cópula reproduz-se o poder patriarcal – e dando aval, por serem ‘naturais’, a uniões aberrantes e devires monstruosos, em que a busca do prazer não se satisfaz com a promessa do coito, mas visa à repetição infinita do processo desejante até alcançar o ‘milagre’ da autofecundação (o gozo onanista). A ‘graça’ dessa autogenealogia do desejo é a aniquilação de qualquer pretensão repressiva veiculada pelas alianças edípicas – "sou eu mesmo meu filho, meu pai, minha mãe", com Artaud.

        JULIAN (a Ida, que acaba de abandonar) – Não posso dizer quem amo. Mas não é isso que interessa! Nunca, jamais objeto de paixão foi tão ínfimo. O que conta são seus fenômenos, a profunda transformação provocada em mim. Não é degeneração! (…) Pois estes fenômenos são tão lindos, tão extraordinários! De uma maneira única. Eu não consigo me livrar deles um só instante, nem do pensamento. Nada parecido com aquilo que acontece vivendo, nada. Por isso, entendes? Não paro de pensar… Os fenômenos que este amor produz em mim podem ser resumidos num só: a graça que, como uma peste, me colheu. Não surpreende se ao lado da angústia tenho dentro de mim uma contínua, infinita alegria. (monólogo, ep. VIII)

        O oxímoro místico (angústia e alegria, peste e graça) conseqüente à transgressão engendra nova aliança, esta ‘fraternal’, entre o burguês Julian e o jovem primitivo que, interpretado por Pierre Clementi, mata o pai e sobrevive mediante canibalismo no episódio ‘pré-histórico’ Orgia, no roteiro, entrelaçado
        bra o martírio dos antigos cristãos: pregado no chão em cruz, é devorado pelas feras – assim como Julian é devorado pelos porcos na pocilga. Mas à interpretação do martírio Pasolini opõe a condenação do canibal – com palavras "que não podem ser escutadas" – pela própria sociedade cristã, "o povo conquistador e civilizado, dono da realidade e da normalidade", a mesma burguesia católica e capitalista (figurada pelos porcos) que ‘devora’ o jovem Julian – fechando a tragédia com um pedido de ‘silêncio’ ditado pela prática da omissão daquilo que não pode ser integrado. O canibal e Julian ("o filho radicalmente desobediente, assim como o filho nem obediente nem desobediente") são imolados numa aparente pena de talião que, porém, não reproduz a razão da vingança social, mas sim o ritual de purificação coletiva dos tabus de canibalismo, parricídio e aberração sexual, opondo à mística dos fluxos desejantes uma mística da culpa removida. O canibal, em sua pura bestialidade de antropófago devorado, representa o sonho pervertido de um cristo apocalíptico (resgatando a soteriologia cristã do bode expiatório cujo corpo é ritualisticamente consumido pelos pecadores salvos pela graça sacrifical); da mesma forma, o escandaloso carisma da alienação sem compromissos de Julian é tachado de santidade por Espinoza e pelo camponês inocente que narra a orgia dos porcos: "WOLFRAM – Como condená-lo, nós e vocês, se ele somente padeceu fechando-se dentro de si? Em silêncio: pois Julian não foi daquelas vítimas que falam com o carnífice; ele não pediu confessores. Não se confundiu com ninguém. Sua covardia foi uma graça. Traiu-nos a todos sem nunca ter prometido que nos seria fiel" (ep. XI).
        O autismo de Julian e o isolamento do canibal em seu simbólico vício são propostas pasolinianas de possíveis ‘diversidades’: pontos de fuga expressamente proibidos pelo humano civilizado, porém quiçá ‘deveras humanas’. A desconstrução de hierarquias dualísticas (ativo-passivo, sujeito-objeto, senhor-servo) ou trinitárias (édipo) e a discrasia entre razão e ação, que confluem no absoluto domínio da vida bruta (a zoé) em seu percurso delirante e desviado do controle social da conduta civilizada (o biós), ambas permitindo vivenciar a possível reintegração ao mundo selvagem pela penetração em outra economia de desejo (erótico, antropófago), revelam ser poderes do esquizofrênico dos quais a civilização defende-se mediante diagnose de sintomas psicóticos. Diria-se que Pasolini funcionaliza a forma dramática por meio de tais comportamentos excêntricos como metáforas de uma nova militância do corpo orgânico contra o organismo capitalista ou, com Deleuze e Guattary, como armas simbólicas úteis oferecidas ao anti-Édipo primitivo e anárquico para aniquilar o ‘sistema edipiano’, civilizado e conservador.

Metonímia, cinismo e indução autobiográfica

        Enquanto a comunicação discursiva de casos ‘reais’ tão aberrantes produziria escândalo e, possivelmente, uma imediata repulsa, a funcionalização simbólica dos dois ‘diversos’, em Pocilga, organiza a expressão de um conteúdo intensamente perturbador. Os artifícios retóricos utilizados por Pasolini não ‘explicam’ o senso daquilo que aparece, mas fomentam a proliferação das ‘dobras’ (do latim: plicas) do texto e complicam os traços estilísticos com ambíguas interferências e sobreposições.
        Por um lado, o canibalismo incide no sistema semiológico (no episódio primitivo do filme) como sinal contraditório, indicando seja uma tipologia comportamental extrema (que remete, sugere Pasolini, a uma "antropofagia não realista, mas simbólica: à representação de um protesto violento, global – como se diria hoje – levado até o extremo limite do escândalo, da rebelião, do horror por pessoas que vivem fora da sociedade"), seja "um sistema de trocas, uma forma de linguagem, claro que operante uma monstruosa rejeição da comunicação normalmente aceita entre os homens" (Duflot: 1970, p. 95). Por outro lado, no episódio ‘moderno’, a desterritorialização de Julian (seus passeios de nômade, sua prática sexual, seu ‘devir animal’) significa a neutralização do sujeito dissociado, descarregado de seu eu-corpo, na sociedade burguesa – na qual a razão pragmática (otimizada para garantir o máximo lucro) manipula toda intensidade contida no fluxo perceptivo.
        Mantendo-se apático a qualquer provocação de atração/conflito no contexto das relações edipianas e de poder, o indivíduo não se franqueia senão temporariamente da realidade ‘devida’ aos laços familiares; no entanto, subjaz a outra realidade ‘sagrada’, cujo acesso se dá naturalmente pela aceitação do fluxo desejante. Nos passeios e na catalepsia (quase que involuntários) de Julian, o despojamento da realidade-dever e a recuperação da realidade-dom expressam – e induzem o autor para a esfera autobiográfica – o desejo saudosista de um mundo religioso e passional (primitivo), em oposição ao mundo laico e racionalizado (social). Pasolini localiza – por metonímia que absorve a saudosa memória da adolescência nas montanhas friulanas – o mundo primitivo, com seu silencioso domínio sobre o mistério caótico da vida, no deserto dos campos e na pocilga; e o contrapõe à civilização com seu logocentrismo e sua estruturação clássica (áulica e ordenada) figurada pelo ‘palácio italianizante’ do Pai. No monólogo intimista que interrompe a estilização grotesca das outras cenas, Pasolini-Julian professa sua fé numa aliança ética (uma religião: do latim religio, de re-ligare, isto é, voltar a ligar) entre terra/sol/grama/corpo que, aniquilada pela fragmentação do sujeito no sistema capitalista, pode ser reconstituída na solidão desta ‘outra’ realidade e no segredo de uma anomalia não socializável, muito embora lhe seja inevitável, para permanecer em vida, voltar desse estádio místico para a sociedade relacional.

JULIAN - Acordo de manhã. O que me espera? Um dia cheio deste meu amor. Fundamental, para a alegria que me dá, é o fato que somente eu o conheço. Seus atos, portanto, devem ser cumpridos em segredo (…) Mas é o segredo que me mergulha na vida! Claro, porque sem a vida ele não poderia acontecer, eu não teria refúgio, clandestinidade, pretextos, silêncios, tudo isso… O que é a vida para mim? Uma coisa que eternamente cremos pertencer aos outros (enquanto dentro de nós é inacabada, ou uma culpa). Eu preciso entrar na vida para evitá-la em seus semblantes mais mesquinhos, os sociais ou aqueles aos quais somos condicionados, antes por nascimento, depois por obrigação política: conservação, revolta… Excluídos todos esses semblantes, resta enfrentar uma vida pura …bela ou atemorizante… sem meios termos, vocês entendem, nem quando é média … cotidiana. Podemos chamá-la de realidade. Da minha realidade eu excluí – com a ebriedade da restrição – tudo que seria minha obrigação (…) O que me resta? Tudo o que não me pertence: que não é hereditário, ou posse patronal, ou domínio natural do intelecto, mas, simplesmente, um dom. A natureza principalmente (…). Eis que me espera também uma imprevista raça humana; aqueles que lavram a terra. Eles não tem nada a ver com o resto da humanidade. Meu pai e minha mãe, creio, os confundem com os bichos. (…) Aonde eu vou, afinal, quando fico enfim sozinho? Isso é o que não posso dizer. (…) Depois o amor, as diversas cores do mundo são intoleráveis – o céu da explosão de uma bomba atômica, a luz acima de uma cidade empesteada, o silêncio que obscurece as coisas. Até porque anoiteceu (…). Meu retorno é o retorno àquela parte de realidade que eu exclui. Tenho a impressão de uma minha Canossa, com a definitiva vitória do Dever. (…) Não tenho outra forma de enfrentar a verdade. (ep.VIII)

        Interferindo com força enigmática, por ser omitida, no fluxo de percepções de Julian, a pocilga é o topos metafórico da ‘vida pura’ que uma radical ecologia da mente contrapõe, como destino, aos espaços civilizados – na pocilga localiza-se o delirante ritual erótico (uma espécie de zoofilia onanista) que, pela totalidade do desejo que o move, ao mesmo tempo salva e condena. Os porcos (obscuro objeto desse desejo) são ambíguas figuras de fantasmas coletivos latentes, cuja conotação metafórica (os porcos/burgueses) implode numa encarnação real (os porcos de Julian), deixando em segundo plano outros fantasmas evocados ao longo da peça – Cristo na cruz, a coleção de esqueletos de judeus. A metáfora culta dos porcos/burgueses, que cita Grosz e Brecht, é introduzida pelo pai de Julian como figura adquirida pelo imaginário da própria burguesia:

PAI (para Mãe) - Os tempos de Grosz e de Brecht não se acabaram. Eu poderia tranqüilamente ser desenhado por Grosz com as faces de um gordo porco e você de uma gorda porca: à mesa, é claro, eu com a bunda da secretária sobre os joelhos e você com o negócio do motorista na mão. E Brecht, que Deus o tenha, bem que poderíamos dar um papel de malvados numa peça onde os pobres são bons! Então, Julian? O que ele espera para engordar feito um porco? (…) Ou ao contrário, a tratar-me de porco?
MÃE - E a mim, de porca?

        O próprio Julian, saindo da catalepsia "graças a alguma cumplicidade com meu pai", pergunta para Ida se o novo namorado ‘social-democrata’ e ‘não anticomunista’ – portanto, perfeitamente encaixado nas expectativas edipianas de uma filha burguesa – "grunhe" (ep. VIII). A figura dos porcos é metonímica porque, dobrando a alusão metafórica burgueses/porcos, implica o emprego factual de porcos reais, encarnados e sexuados; sendo caracterizada a metonímia desde as primeiras cenas como índice de proximidade, cuja narração discursiva faz entender indutivamente ao leitor que o filho vai ser devorado pelos pais burgueses (isto é) pelos porcos. A pressuposta proteção edipiana do filho por parte do genitor de sexo oposto é desmontada, em Pocilga, mediante denúncia da aliança da mãe com a hostilidade do pai: sua passiva adequação é expressa pela postura permanentemente assertiva e cordial, enquanto a função ‘feminina’ é apropriada para o macho.

PAI (para Mãe) – Vejamos. Eu e você somos aliados: você mãe-pai, eu pai-mãe. A ternura e o rigor estão à sua volta por todos os lados. Teremos feito algo errado, eu e você? Talvez você tivesse que ser toda mãe e ternura, eu todo pai e rigor? Mas não tenho culpa se eu li os clássicos e não você! Se você é um dragão prussiano e eu, um pouco madame... A Alemanha de Bonn não é decerto a Alemanha de Hitler: a ternura e o rigor agora estão juntos. Claro que Hitler também era um pouco fêmea, mas sabe-se, uma fêmea assassina: nossa tradição, portanto, melhorou bastante. Eu sou mãe, sim, mas carinhosa. Agora vejam: ela, a mãe assassina, teve filhos obedientes com os olhos azuis cheios de desesperado amor! Enquanto eu… (ep. III)

        A devoração pelo pai-mãe ‘carinhosa’ deste filho, "que não é obediente nem desobediente" pressupõe, portanto, uma segreda – e ‘suja’, com Deleuze – aliança dos pais burgueses como agentes de repressão, em que para as mães é reservada "por natureza (…) a obrigação do riso" e para os pais "a do cinismo", com a metonímia dos porcos sempre presente:

PAI – Quem diz que a religião morreu? Olhe aí que ritual bonito! Agora é a minha esposa que abre as fauces pintadas e enfia nelas um bigné. Deus abençoe o apetite destas nossas consortes. Alemanha! Quanta capacidade de digerir!
HERDITZE – Merda.
PAI – E quanta capacidade de cagar! Ninguém defeca mais do que os alemães sobre o coração de nossos filhos puritanos.
HERDITZE – Você ouviu? O ministro Ribbentrop grunhiu
. (ep. IX: Festa da Fusão)

        O ‘sujo’ ritual profano dos burgueses (na festa da Fusão) espelha o ‘sujo’ ritual sagrado de Julian (na pocilga), ambos apresentando-se como profissão de fé existencial – "Eu também vivo na minha natureza", declara o Pai – e conduzindo como necessário epílogo simbólico à síntese da consumação da vítima pelos porcos, ao mesmo tempo agentes e objetos do suplício erótico, enquanto o business capitalista continua sua celebração. Assim, cinicamente, a razão prática consegue reorganizar a ordem progressiva de sua produção social armando a exclusão de Julian, o diverso, com sistema que predispõe, nos porcos metonímicos, a solução final para sua falta/falência e reterritorializa o duplo sinal (desejo/morte) de sua anômala busca pela verdade num martírio/castigo que lhe é enigmaticamente preconizado por ‘terríveis sonhos’:

JULIAN – Sonhei, há poucas noites, que eu estava numa estrada escura, cheia de poças; procurava, na encosta e nas poças, cheias de uma luz de lugares de outras vidas (…) algo… não lembro… de repente, agora: um brinquedo. Eis que, na beira de uma dessas poças vejo um porco, um porquinho. Eu me aproximo dele para pegá-lo e tocá-lo; mas ele, alegre, me morde. Sua mordida me arranca quatro dedos da mão direita, que ficam pendurados e não sangram, como se fossem de borracha…Uma vocação ao martírio?Quiçá qual é a verdade dos sonhos, além de tornar-nos ansiosos por saber a verdade. (ep. VIII)

        Resumindo: o fantasma suíno (côngruo aos ‘tempos de Grosz e de Brecht’) da ‘inocente fome’ da burguesia, tornando-se coletivo, é manipulado pela própria burguesia mediante interpretação ‘literal’ da metonímia – estratagema retórico que permite acomodar o místico ‘sabor da verdade’ às concretas exigências do ‘bom-senso’. A implosão da figura estilística dos porcos obtida por Pasolini introduzindo no drama (burguês e clamando por uma freudiana catarse) categorias de teatro épico (antinaturalista) cria um híbrido dramatúrgico que ele próprio denomina de ‘sonho brechtiano’ quando o adota explicitamente como ‘solução’ estilística – pois escreve, "sendo tão atroz e terrível o sentido deste filme, eu não podia senão tratá-lo: a) com estranhamento contemplativo, b) com humorismo". Assim, a ausência (o segredo da anomalia) de Julian é feita objeto de um ‘suspense’ fabulista tratado com tons cínico-humoristas ("não é mistério de filme policial; é de caráter, digamos, mozartiano, e não wagneriano", indica Pasolini no roteiro cinematográfico); da mesma forma, sua dor, assim como a dor de Ida abandonada, embora ‘selvagem’ não é dor trágica, mas dor "de garotos ingênuos e heróicos". Da ‘diversidade’ de Julian (já despojada de qualquer objeto produzido pelos pais para caracterizá-lo como ‘filho’) não sobra testemunha que perturbe a festa da razão capitalística; seu fim atroz resolve-se numa cínica omissão de provas:

Herditze – Afinal, fizeram um trabalho limpo mesmo, aqueles bichos?
CAMPONÊS – Sim, senhor. (...)
HERDITZE – Tem certeza, mesmo?
CAMPONÊS – Sim, sim, certeza.
HERDITZE – Não sobrou nenhum sinal? Um pedaço de tecido, sei lá, uma sola de sapato?
CAMPONÊS – Não, não, nada!
HERDITZE – Um botão…
CAMPONÊS – Nada, não. Nada de nada.
HERDITZE – Então, shhht! Vocês não dizem nada para ninguém.
(ep.XI: FIM)

        Contrariando o registro sublime dos versos com a bavardage das ‘ridículas rimas’ dos jovens e com o insensato papo de salão dos pais, em Pocilga, Pasolini fantasia de metafórica farsa o drama de um filho que reage, diria-se, inutilmente, ao escândalo do extermínio mundanizado em conversation piece. Na hilariante festa final (um ‘sonho brechtiano’), na qual a burguesia, após expulsar para a pocilga a razão pura (representada por Espinoza), celebra com seus cínicos calembours a sujeição da razão ao capital; prefigura-se a "irresistível comicidade" do grotesco escárnio de qualquer dignidade humana de Saló. Após as provas narrativas realistas na linguagem popular (nos romances Una vita violenta e Ragazzi di vita; e nos filmes Mamma Roma, Il vangelo secondo San Matteo, Uccellacci e uccellini), este ‘novo registro’ metonímico é introduzido por Pasolini com justificativa autobiográfica de que "eu não poderia, não agüentaria fisicamente, representar realisticamente este poder de que eu mesmo estou padecendo". A opção estilística denuncia, portanto, estar conexa ao agravar-se, entre 1965 e 1967, da recepção da cinematografia polêmica, implicando agressões pessoais por parte da crítica e da censura (Vangelo denunciado por obscenidade, Teorema seqüestrado) e até provocando a ausência de Pasolini na apresentação de Pocilga em Veneza (1969). Nesta ocasião, ele ainda tenta comunicar seus propósitos pelo viés das notas para imprensa:

Cristalizar o horror. Fazer um soneto de Petrarca a partir de um argumento de Lautréamont (…) atroz e suave. O conteúdo político explícito tem como situação histórica a Alemanha. O filme, porém, não fala da Alemanha, mas da relação entre velho e novo capitalismo. (…) O conteúdo implícito do filme é uma desesperada desconfiança em qualquer sociedade histórica: portanto, anarquia apocalíptica.

O anti-Édipo

Alguém certamente perguntará: mas este filme é autobiográfico? Pois bem, sim, responderia eu, é autobiográfico, porque minha biografia me levou, antes, a conceber o horror, depois a expressá-lo com estranhamento e ironia. Primeiramente eu me identifico com o personagem de Pierre Clementi [o canibal]: anarquia apocalíptica e, digamos, contestação global no plano existencial. Depois eu me identifico com o personagem interpretado por Jean-Pierre Léaud [Julian] (a ambigüidade, a identidade fugitiva, e tudo que o personagem diz de si mesmo no longo monólogo para sua namorada que o abandona). A mensagem do filme seria a seguinte: a sociedade, qualquer uma, devora seus filhos desobedientes, mas também os filhos que não são nem obedientes nem desobedientes. Os filhos têm que ser obedientes, e só.

        A temática edípica, caracterizada pela ‘desesperada desconfiança’ no sistema repressivo dos pais e pela ‘anarquia apocalíptica’ do esquizo-anti-édipo, é obsessivamente presente nas obras de Pasolini dramaturgo e roteirista (entre 1967 e 1969: Porcile, Affabulazione, Édipo Rei, Pilade, Teorema, Medea; e em 1975, após o ‘intervalo entre-edipiano’ das Trilogias, Saló), focalizando por perspectivas divergentes o misterioso sacrifício do assassinato entre gerações (os pais assassinam os filhos, e não o contrário, como poderia sugerir uma primeira leitura da referência edípica como função parricida, já esvaziada de significado pelo privilégio terapêutico do recalque).
        Filmando o próprio édipo Re, em 67, Pasolini perverte a moral repressiva do mito (onde o castigo do filho parricida instiga a interdição do incesto) em direção eversiva, isto é, exaltando a opção antiedipiana pela auto-expropriação (abdicação, cegamento e suicídio) de édipo, quando de filho reconhece ter se tornado pai e representante do sistema edipiano, isto é, do poder patriarcal que o sacrifica – desde a rejeição pelo pai Laios. A ambivalência (proposta como necessidade no conflito generativo, mas remetendo à específica dissociação na esfera autobiográfica) desta polêmica antiedipização de édipo é revelada ao público no Prólogo, em que Tirésia (um Pasolini/Dioniso) acusa édipo (um Pasolini/filho burguês) de passividade, masoquismo e bisexualidade, vícios declarados intrínsecos ao amor paterno. A raiva possessiva com que Laios aperta os pés de édipo para rejeitá-lo revela seu arquétipo na voracidade insaciável de Cronos que devora os filhos para se reapropriar de sua força vital (de seu esperma) numa regressão canibalística que ao mesmo tempo é destruição e supremo ato de amor. A disputa pai/filho pressupõe o redirecionamento homoerótico da instância de interdição e censura do incesto filho/mãe, o que por um lado libera o prazer da obrigação de fecundar, por outro, vaza a impotente inveja paterna diante da virilidade pujante do filho, como fica claro em Affabulazione, pelo sacrifício ritual do filho no ato do coito heterossexual – sacrifício que o pai assassino define de ‘regicídio’: "PAI – Eis que o momento dos beijos está se acabando, naturalmente. Eu tiro do bolso a faca que eu mesmo te dei e você tão docemente me devolveu. Tem épocas no mundo em que os pais degeneram e matando seus filhos cumprem regicídios" (VIII).
        Conforme tradição psicanalítica, a cegueira de Édipo remete para castração (isto é, para auto-redução à impotência geradora); igualmente autopunitivo, o handicap genital sugerido pela paralisia do Pai (no filme Pocilga) interfere na afirmação do poder patriarcal: rei impotente, na cadeira de rodas, ele precisa delegar o cetro da função reprodutiva para o filho que, porém, desperdiça o sêmen na pocilga. Igualmente inapto para satisfação da esposa e obsessivo pelo sonho da potência juvenil, o Pai protagonista de Affabulazione mata o filho desejado com a faca que lhe doou na época da passagem para virilidade. Logo depois, entrando em catalepsia, é visitado pela sombra de Sófocles que, como Espinoza para Julian na pocilga, abjura a razão, pois esta teria servido a Édipo somente para conquistar/perder o poder, como qualquer filho/pai, sem resolver o mistério de seu destino.
        Em Saló, a sofisticada sociedade de pais friamente pervertidos humilha, tortura e chacina a geração dos filhos sem consumar com eles nenhuma espécie de coito fecundante, ao contrário, castigando com requintes de crueldade a inocência da união voluntária entre as vítimas. À luz de Affabulazione, Teorema, Édipo Rei (que Pasolini escreve no mesmo mês de imobilidade devida à recuperação), Pocilga desvela, em seu esqueleto dramatúrgico, o mito trágico do filho devorado pelo pai (pelos porcos, como Penteo pelas Bacantes em Eurípedes ou Aquiles pelas Amazonas, na Pentesilea de Kleist). O núcleo edipiano, que pela declinação freudiana proíbe o incesto na ‘idade adulta’ do ser humano interdizendo a satisfação do prazer instintual ‘primitivo’ (estabelecendo, assim, num tabu distintamente ocidental, um critério discriminador pretensamente universal entre estado de cultura e estado natural), se ‘ressignifica’ em Pasolini como ambíguo enigma da relação de amor e morte entre machos, pais e filhos. Por um lado, a recusa do poder paterno (recalcando a perda, pelo poeta, do fluxo afetivo masculino naturalmente direcionado ao pai) elabora fugas esquizofrênicas dos filhos dentro da sociedade edipiana, prefigurando o anti-Édipo deleuziano; por outro lado, as temáticas conexas à relação homoerótica revelam tentativa de resgatar a estrutura ‘primitiva’ do pacto social, de tão profunda, quase atemporal, contra o projeto ‘moderno’ do capitalismo tardio e da racionalidade pragmática, embasando a transformação dialética da história.

O pai sonhado e a poesia

        A produção dramatúrgica/cinematográfica coincide, para Pasolini, com um longo período de estase poética subseqüente à polêmica com a ‘nova vanguarda’ do Grupo 63 e que desembocará somente em 1971 nos ‘versos feios’ de ‘Trasumanar e organizzar’. O silêncio poético remete ao declarado ‘trauma’ intelectual de quem, constatada em 1968 a inanidade da contestação burguesa ao sistema burguês, se vê obrigado a procurar nova colocação social, denunciando sua crise ideológica quanto à possível ‘salvação’ por uma razão reduzida ‘em cinzas’ – como já anunciavam as poesias de Le ceneri di Gramsci.
        Neste período, Pasolini dedica-se, fora teatro e cinema, principalmente ao jornalismo militante, em vários jornais cotidianos e no semanal ‘Tempo’ (de agosto 1968 até 1970, reunidos em Il Caos, onde a opção de lutar em plena solidão, contra todos, já prefigura a militância ‘corsária’ dos últimos anos) e aos ensaios de linguagem (confluídos em 1972 em L’empirismo eretico). Este ‘novo’ Pasolini ‘herético’ enriquece sua posição crítica diante da evolução consumista e tecnocrática da sociedade italiana, de argumentos atuais que o vêem muitas vezes diretamente implicado – suscitando polêmicas em volta de sua biografia, suas opiniões políticas, suas opções sexuais declaradas, seus filmes inevitavelmente censurados, seu dissídio com outros intelectuais, sua relação controvertida com a Igreja Católica etc. Extremamente produtiva, a estase poética problematiza a premonição pasoliniana da queda da diversidade (como opção de eversão individual, sexual e estilística) no ‘horroroso futuro tecnológico’ que vem sendo aprontado pelo capitalismo tardio (a que ele chama de ‘neocapitalismo’) e de suas conseqüências éticas e lingüísticas. Sua própria ‘diversidade’ vem qualificando-se, assim, ao longo de intermináveis polêmicas, não tanto como reproposta de uma ‘anomalia’ quanto como representação trágica e necessária da incomunicabilidade de seu pensamento, julgado simultaneamente subversivo e nostálgico e sendo, então, acusado de ‘ambigüidade’ pela direita e pela esquerda.
        É justamente a ‘ambigüidade’, relacionada à dissociação do filho das precondições edipianas e à sua ambivalente relação com o pai (IDA: "Seu ambíguo amigo e ambíguo inimigo…", ep), o traço de Julian em que Pasolini declara identificar-se na apresentação de Pocilga em Veneza – o que induz a suspeitar que, além de expressar sintoma da crise política na identidade fragmentada do poeta, tal postura também sinalize, na esfera autobiográfica, para o recalque de uma ambígua relação com o próprio pai Carlo. Descrito como conformista e autoritário, geralmente removido seja pelos biógrafos seja pelo próprio Pasolini em favor da relação com a mãe, cujo amor o poeta afirma disputar com ele aos três anos de idade, este pai é rejeitado aos 22, quando o jovem Pier Paolo, acusado de pedofilia, muda-se com a mãe para Roma. Transfigurada por um olhar de vítima, a face do pai parece pintada por Bacon: "amarela e vermelha – inchada e histérica como um prepúcio de sangue – me reprovava e eu escutava, inocente ofendido, remexendo em minha boca de adolescente vestido pela mãe lágrimas e protestos, inutilmente". A descrição remete para a imagem poderosamente erotizada de Laios no ato de rejeitar o filho Édipo; de fato, um ambíguo ‘amor de sensos’ é dedicado ao pai desde a primeira infância, transformando-se num amor "parcial, que dizia respeito unicamente ao sexo", enfim, num amor removido em favor do ‘amor verdadeiro’ pela mãe Suzana "que envolvia toda a pessoa" (Duflot: 1983, p. 20). A ambígua "história, de que eu sou o culpado herói objetivo", revela no pai, antes da remoção que devolve a fantasia edipiana para esfera maternal, o objeto de saudosa atração homoerótica filial: "preciso lembrar – continua Pasolini – dos meus passos de menino de três anos (…) numa estrada atingida por um sol que não era o da minha vida, mas dos meus pais, em direção ao canto onde meu pai, jovem homem, mijava".
        Impedida, a presença da fantasia é revelada unicamente pelos efeitos inibitórios ou secundários que são dela conseqüências: no mesmo ano em que rompe com ele por causa de sua declarada homossexualidade, Pasolini dedica ao pai seu exórdio poético (1942, Poesie a Casarsa); segue aludindo ao pai numa incessante busca, mediante a poesia, de pais ‘sonhados’ (como o mestre Longhi e o crítico Contini, ao qual dedica, em 1954, com amor de loihn, o primeiro romance, La meglio gioventù. A morte do pai, em 1959, é em declarações posteriores antedatada por Pasolini a 1957, permitindo-lhe exaltar a coincidência do evento traumático com a explosão da grande estação poética (1957: Le ceneri di Gramsci, 1958: L’usignuolo della Chiesa Cattolica). O incisivo lapsus revela o desbloqueio da repressão do ‘amor de longe’ pelo pai – amor erótico que proibia, enquanto seu objeto de desejo vivesse, a proliferação efusiva da máquina poética desejante. A disputa com o pai, implicando antes a repressão, depois a rejeição, enfim, a perda (com a morte) da ambígua relação de atração/opressão, detona, assim, no caminho de busca do pai sonhado, a vocação para as ‘palavras de graça’ da poesia: "ORESTE – Eu vou rezar no túmulo do meu pobre pai. Não o esqueci, ele está agora em meus sonhos, pelos sonhos me diz algo com palavras de graça" (Pilade, ep.I).
        A criação poética, como processo milagroso de regressão à linguagem infantil, é desde as primeiras provas diretamente condicionada ao recalque de Édipo; este, por sua vez, é aliado ao ‘sonho do pai’ que se exalta na projeção paradisíaca de um ‘Primeiro Pai’ com ternura de mãe – remetendo para a evangélica agape de Deus-Pai como já nas saudosas poesias de L’usignuolo della Chiesa Cattolica. Abre-se espaço para uma ecologia da mente fundada numa relação maternal livre de Édipo que, negando o desenvolvimento histórico da relação paterna (em capitalização e disputa de poder), permita reencontrar a ligação mítica (ancestral e gratuita) com a natureza.
        No entanto, a catalepsia e o voluntário martírio de Julian em Pocilga, afirmando a intransigência da repressão edipiana, denunciam amargamente a inutilidade da busca poética e talvez o fim da literatura tout court, refletindo a decisão pasoliniana de ‘sumir’ como poeta (entre 1965 e 1971), contentando-se com a ‘consolação’ dos ‘versos feios’ (assim pelo autor) da produção dramatúrgica. A queda da diversidade, como momento contraditório de escândalo e subversão (à qual Julian renuncia quando resolve deixar que os porcos-burgueses o devorem), significa, para o indivíduo Pasolini, a derrota do intelectual em sua relação dialética com a realidade, quando a intensidade do fluxo dolorífico introverte-se irremediavelmente para o particular, para as vísceras – a ‘catalepsia’ de Julian (a crise comunicativa de Pasolini diante da afirmação do capitalismo maduro) configurando-se, assim, como sofrido retorno a suas origens traumáticas de ser ‘marcado’ pela rejeição do pai (no sistema edipiano). A ‘autoridade’ criada pelo filho-diverso apesar do pai, torna-se, assim (Ida de Julian em catalepsia, ep. V), uma "dor misteriosa que pesa sobre ele como um monumento": a autoridade inconfortável de quem vive sua cotidiana biografia publicamente (como Pasolini, então visado, que embora "fugindo, era sempre presente", ep.V), sem conseguir comunicar a felicidade de sua diferença. É a dor de uma diversidade irreversivelmente ‘marcada’ pelo sistema dominante e que não pode afirmar-se se não ilusória ou definitivamente, como polêmica testemunha de si no ato de seu próprio fim.
        Nesta passagem poético/biográfica, definitivamente franqueando sua busca mística de qualquer compromisso de consciência ética ou ideológica (pois estas remetem para hierarquia progressiva do conhecimento ‘racional’, distanciando-se do estado natural em direção à cultura), um Pasolini pós-Kantiano renuncia à dialética da liberdade (prêmio e castigo para o intelecto que pretende ‘ficar no mundo’) em favor de uma percepção totalizadora da natureza como ‘milagre permanente’ (cujo preço é a saída do mundo).
        Autonegando-se como herói sem últimas palavras, em sua derradeira visita à pocilga em que ele ‘afirma e abjura Deus e a verdade’ (queimando numa fogueira que eterniza sua heresia para além do auto-da-fé, como o Jan Palach de Bestia da Stile), o filho escandaloso entra no pasoliniano paraíso dos mártires, aludindo ao Cristo fustigado e crucificado (cena que a sacra representação da piedade da mãe, ep. V, anuncia e, no filme, a condenação do canibal representa) que nos redime somente sofrendo a dor da rejeição por parte do Pai – pois "para nos redimir, Cristo/não foi inocente e, sim, diverso". O escândalo da cruz (aludindo ao suplício do filho diverso renegado pelo pai) remete então para o escândalo-Pasolini do final da década:

o escândalo dos processos e das perseguições, que pertencem a uma espécie de diabólico pacto em nome do qual a cultura italiana (…) do pós-guerra, de reconstrução, do capitalismo e da contestação ao neocapitalismo, elegia como bode expiatório o onipresente e verborrágico poeta; mas de fato [escândalo de que] o próprio poeta precisava, não só estando presente, falando, comunicando como também propondo-se como bode e expiando, oferecendo-se ao suplício para salvar a todos os outros – ele precisava ser o crucificado.

        Aparecendo como mais um ‘pai sonhado’ que segue o filho até a pocilga, Espinoza, "o primeiro filósofo da razão", a abjura porque não serviu à verdade, mas aos interesses do progresso capitalista. Questionando o espectador quanto à persistência da estratégia da exclusão no estabelecimento do consenso civilizador, Espinoza – ele que foi expulso do gueto hebraico assim como Pasolini foi expulso do gueto da esquerda ‘iluminada’ e progressista: "Estamos em 1667, ou em 1967?" – prenuncia a abjura de Pasolini que, em 1968 renega a presunção de inocência dos filhos da burguesia cujo destino é uma contestação integrável pelo regime (uma rebeldia de filhos que não serão crucificados, mas sim normalizados e ‘perdoados’). A dramaturgia que examinamos, fragmentada por contrariedades de registros e conduzida rumo à total incompatibilidade comunicativa com o público, aniquila qualquer forma de acomodação dialógica aliada ao ‘bom senso’ da razão burguesa e expressa, em seu fluxo de ‘irracionalismo revolucionário’, a ambígua consciência de que a luta de classe tenha se transplantado na luta entre gerações – entre pais e filhos que operam no seio da mesma classe social.

As cinzas de Gramsci

        A partir do momento em que uma elite procura realizar sua própria revolução cultural contra a geração dos pais (contra os pais, seus símbolos), ela é acometida por angústia e sentimento de morte. Esta revolta que eles realizariam contra os pais é profundamente sadomasoquista. A elite desenvolveu este complexo muito mais do que a massa ‘indivisa’, a grande massa anônima. (Duflot: 1970, 70)

        Radicalmente corsária e ambígua é a posição de Pasolini diante da contestação burguesa em 1968, em que o escritor reconhece a expressão de um terrorismo juvenil marcado por espontaneísmo e que denuncia como "luta intestina que o omnívoro sistema burguês pode absorver a par de qualquer outra oposição" (Il Caos, 6.8.68). O poder revolucionário dos estudantes é reintegrado na problemática do poder tout court, reafirmando, pelas suas modalidades de ‘fascismo de esquerda’, o imobilismo do sistema generativo, com expressões de idêntico centralismo e autoritarismo. A contestação, caracterizada por um lado por uma intransigência revolucionária que revela contradições moralistas (ibidem, 12.4.69), por outro lado oculta a mesma necessidade de expiação catártica das culpas da classe – a mesma ferida de "filósofos, padres, homens políticos, poetas, todos os que têm uma vocação" (ibidem, 20.8.68).
        A relação de ódio-amor (gritado e correspondendo-lhe um senso de culpada senilidade) para com os estudantes contestadores, ora percebidos como portadores de um "desespero inocente, aliás, puríssimo em seu radicalismo" (ibidem), ora como filhos edipianos precocemente adultos, obedecendo ou desobedecendo aos pais, mas alienados pela mesma fome de poder, detona em Pasolini específicas ambigüidades, ditadas pelo terror da homologação consumista e do ‘contágio’ do poderio econômico transnacional (hoje dita globalização). Assim, às vezes expressa-se a saudade pelo mundo (popular e vetero-capitalista) dos pais do tempo fascista em contraposição ao ódio para o mundo tecnológico (neocapitalista) dos filhos; às vezes, defende-se a necessidade de uma transformação que recupere o passado como momento de luta política (ibidem, 8.2.69).
         Para a burguesia, vitoriosa sobre os filhos desobedientes de 1968, porém esvaziada de valores e "não lhe restando outra função senão conscientizar-se de suas culpas generativas e portanto da necessidade de sua auto-condenação e auto-punição" (Ferretti,1978, p. 66). Pasolini conjetura um mundo de relações regradas com ‘fixidade natural’ pelo poder auto-afirmativo do triângulo edipiano. Assim, o estudante burguês que luta contra a sua própria classe é, na verdade, encarregado de regenerá-la e reforçá-la, através da contestação somente formal de suas leis, enquanto o policial, filho de pobres, torna-se instrumento (e verdadeira vítima) da repressão. Um, como outro, são fatalmente condicionados a sua classe de origem (ao sangue paterno) como ao seu destino. Elaborando, a partir deste trauma, a convicção (referida, sobretudo, ao novo capitalismo italiano e europeu, mas com a tendência a projetá-la no plano emblemático do ‘momento histórico’) que o mundo (já mítico) do subproletariado, como protagonista e referente peculiar da luta antiburguesa, esteja desaparecendo e que nenhuma instância revolucionária coletiva possa ser capaz de contrariar esta evolução, Pasolini, em 1969, assume como definitivamente falida a tarefa nacional-popular da arte e do intelectual ‘integrado’ e admite que "aquilo que Gramsci escrevia há quarenta anos e que eu pensava há dez não é mais atendível". Nesta passagem, de 1967 para 69,

dentro de mim houve uma rebelião, a princípio incônscia (…) em conseqüência da qual, ao invés de fazer obras que me iludissem de produzir uma arte de alguma forma popular, no sentido gramsciano, agora eu produzo obras ambíguas, quase que para a elite, extremamente difíceis e rigorosas, de jeito que sejam o menos possível consumáveis pelas massas. E resistam, o mais possível, às simplificações.

        Nos textos e nas entrevistas publicadas à época do lançamento do filme Pocilga (preanunciado como hermético e, no entanto, repetindo o êxito escandaloso de Teorema), Pasolini elabora nova ideologia (após o ‘cinema popular’) do ‘cinema impopular’ por reação ao consumismo cultural e como documento do incessante processo de diluição do povo em massa – como, escreve, "uma primeira, deselegante tentativa, individualista e anárquica, de lutar contra as determinações da cultura de massa": "Como opor-se ao cinema medium? Fazendo um cinema aristocrático: inconsumível (…) Ao menos, indigesto ou até indigerível: os consumidores comem [meus filmes], mas logo cospem, ou então, passam a noite com a dor de barriga".
        Contrapondo ao ‘politicamente correto’ do cinema comercial uma denegação radical da moral burguesa mediante ingresso numa outra economia, aberrante e eversiva, da máquina desejante (canibalismo, incesto, zooerotismo, sadomasoquismo), Pasolini provoca o imobilismo daquele que reconhece como sistema de perpetuação no poder de sua própria classe com um novo ‘empirismo herético’ que o obriga a abandonar a narração realista e assimilável de sua fase ‘popular’, rumo a uma estilização sofisticada que ele caracteriza como ‘método de redução ao essencial’. A estilização responde, por um lado, como omissão de verbalização discursiva explícita de conteúdos atrozes; por outro, como figura de síntese própria à linguagem metafórica – os artifícios retóricos servindo de ‘proteção’ ao público posto na inconfortável situação de estar consumindo o inconsumível: "Uso a máquina de filmar para criar uma espécie de mosaico que renda aceitáveis, claras, afirmativas, histórias aberrantes".
        Caos e vitalidade, estilização e artifício são registros de uma dialética que contrapõe fluxo de perceptos e organismo comunicacional, máquina-corpo e máquina-sociedade – dialética organizada lucidamente, no filme Pocilga, em dois planos estruturais de recepção dissociada: o episódio ‘arcaico’ jogado no registro do sublime (tragédia: caos e vitalidade), o moderno no registro cômico (drama burguês: estilização e artifício). A interpretação, no episódio arcaico, é expressiva e baseada no gesto; no moderno, é estranhada e baseada na palavra; referência visual do episódio arcaico é o contraste entre o tom sanguinho do deserto e o branco da nudez do corpo (do canibal antes de ser imolado, assim como dos jovens oferecidos como isca aos canibais), enquanto os tons pastéis do episódio moderno trivializam as fisionomias e dessacralizam os diálogos. Dentro de contraposição tão estilizada e maniquéia entre mundo primitivo (brutal, mas autêntico, dominado pelo corpo e por suas ações primárias: transar-comer-lutar) e mundo moderno (artificial e inautêntico, dominado pela sobre-abundância da palavra na total ausência de comunicação), Pasolini detona sua ambígua dialética sem síntese:

Ninguém notou o proceder dialético (embora continuamente interrompido, obstaculizado, eludido) de Pocilga: uma situação ‘tese’ (deserto, silêncio, meta-história) e uma situação ‘antítese’ (cidade, palavra, história). O filme inteiro (jogando um jogo cruel) se embasa na confiança otimista de uma possível síntese: a totalidade do mundo repressivo como objeto de uma verdade que escapa a qualquer julgamento.

        Diante da inviabilização da razão (serva do capital e de suas falsas alternativas) para proferir verdades ou julgamentos, a confiança ‘otimista’, numa síntese negativa, produz, no traço estilístico, o ambíguo enredo de irracionalismo e dialética, pureza e pragmatismo, sublime e grotesco que faz desse cinema pós-realista e desta a dramaturgia de pós-67 algo ‘inconsumível’. Nessa fase, até o teatro (para o qual Pasolini sempre declarara antipatia) requalifica-se como positivamente inconsumível pela massa, pois como "ritual que a cada noite se reproduz em sua fisicidade, em sua virgindade", é sempre um evento perceptivo não reprodutível. O ‘teatro de palavra’ pensado como "ato de protesto ativo, dinâmico contra a cultura de massa" ofereceria, portanto, ao poeta, uma alternativa expressiva para compensação da estase poética. Reflete Pasolini:

Naquele período [de realismo cinematográfico] eu era também poeta de versos: nisto, pode-se revelar uma criptografia de áreas burguesas, porque eu, falando em primeira pessoa, era ao mesmo tempo o autor e um verdadeiro personagem monologante. Isso me levou ao teatro, irresistivelmente. Não se trata de um mérito nem de um desmerecimento, mas creio que minhas poesias sejam feitas para serem lidas ‘de voz alta’ (para serem orais). Elas são raramente ‘objeto’; são quase sempre suspensas, em obra. São confissões, perorações, meditações: enfim, monólogos, como os monólogos de Hamlet. Enquanto personagem escrevente potencialmente falante, eu já pertencia portanto aquele mundo burguês da área ‘Édipo Rei-Teorema-Pocilga-Medea’ (...) Existem, portanto, nas minhas obras uma variável e uma invariante. O registro contínuo é o monologante. O registro intermitente è o ideológico. O primeiro corresponde a uma espécie de fatalidade (os problemas são sempre vividos por um corpo inevitavelmente mortal); o segundo corresponde às tentativas de rebelião contra aquela fatalidade: todos os dois são hipócritas, insinceros, ingênuos, desesperados, etc. O que seria esta fatalidade? Eu (meu corpo mortal) vivo os problemas da história ambiguamente. A história é a história da luta de classe: enquanto eu vivo a luta contra a burguesia (contra mim mesmo) eu sou também consumido pela burguesia, pois è a burguesia que me oferece modos e meios de produção. Esta contradição è insanável: não admite de ser vivida diversamente de como è vivida, isto é, ambiguamente. Isto produz um elemento de mistério. O que se diz ser meta-histórico surge, enfim, de uma maneira forçosamente ambígua de viver a história: talvez ele se apresente como falsa alternativa, ou talvez como verdade verdadeira – cuja presença é ineludível para quem não entende negar sua contradição (ao contrário, pode ser que ame ser por ela decepcionado, torturado, degradado).

        Aos olhos de Pasolini, o tempo de Grosz e de Brecht está de fato perdido para sempre; seria inatual, anti-histórica, enfim, risível uma revolução teatral que se destinasse a operar una renovação do interior da instituição dominante (a dramaturgia realista, séria e racional: burguesa). No Manifesto para um novo teatro (1968), Pasolini declara amar o teatro, paradoxalmente, por tudo que o teatro ‘não tem’ e de querer tornar o teatro tudo que ‘não é’; de estar criando algo que não seria "nem um teatro burguês, nem um teatro burguês anti-burguês (…) nem um teatro acadêmico, nem um teatro de vanguarda; que não se insere numa tradição nem a considera tal: que, ao contrário, pula in toto a inteira tradição do teatro burguês, para não dizer moderno – simplesmente, a ignora e a supera de uma vez por todas".
        Assumindo o fim do sujeito e o desaparecimento da expressão individual na época da massificação neocapitalista, o Novo Teatro que Pasolini busca e propõe exige a discussão democrática da questão de um novo estilo e de uma nova língua e, destinando-se como embate de idéias somente a ‘grupos culturais avançados’, exclui qualquer finalidade espetacular, mundana ou ritualística, recusa a visibilidade consumível da polêmica vanguardista (que faz de qualquer underground "uma tautologia do teatro burguês") e delimita seu espaço "não no ambiente, mas sim na cabeça", como lugar da contradição e não da coerência, lugar da cultura e não da ideologia. Pasolini indica os instrumentos experimentais de sua busca por uma forma dissociada na metalinguagem poética e numa nova geração de atores, dotados de cultura para poderem ser "transparentes ao pensamento, veículos vivos do texto" – transplantando o processo de identificação (emocional) em procedimento demonstrativo (teorético); subtraindo a crença induzida no público pelo regime da fé para rendê-la ao regime dedutivo de um pensamento rigoroso; compartilhando com o espectador o poder/prazer da discriminação crítica simultânea (e não alternativa) à percepção. A razão, abjurada por suas obras que "produziram o pai humanista e seu sócio tecnocrata (…), que avalizaram a história deles" (Pocilga, ep. X) retorna como insubstituível instrumento de conhecimento, obriga-nos a resgatar a pré-história em que a sociedade se apresentaria tout court, com todas as suas possibilidades de conhecimento ainda abertas.
        Nessa sua dramaturgia antropofágica, Pasolini (com espírito de convalescente) consome seu ritual de devoração da razão que embasa as certezas burguesas e se apropria das qualidades intensivas do pensamento delirante, franqueado dos confortáveis clichês da esquerda progressista e sem pautar alguma garantia ideológica para sínteses reconstrutoras ou redentoras: sua idéia de futuro é nostalgia do passado. Como o anjo da história resgatado por Benjamin, seus ‘anjos’ condenados viram-se nostalgicamente pra trás, em direção ao cúmulo de escombros e cadáveres que a catástrofe da história depõe aos seus pés e que ainda eles poderiam recompor, ressuscitar… mas a tempestade do progresso os empurra, reduzindo sua presença a uma sofrida, escandalosa passagem.

JULIAN – Mas eu não tomo nenhuma decisão…
SPINOZA – Você já tomou uma, faz tempo. O que significa afinal ter ficado
três meses sem falar, sem comer, sem dormir, sem sonhar, sem morrer?
JULIAN – Eh! Talvez, sumir! (P.P.Pasolini. Pocilga, X episódio)



NOTAS: 1Resumo da história por Pasolini, 'Porcile o no: intervista con Piero Sanavio'. Il Dramma, ano 45, no 12, set/69, p.83.

2No roteiro cinematográfico de Porcile, descreve-se uma cena cortada no filme, em que Ida e Julian visitam a pocilga: lá, o jovem revela sua anomalia e fala com Espinoza encarnado num dos porcos que chafurdam em volta.

3O filme torna funcional a analogia metafórica entre os dos dois episódios com uma cena-epílogo "que serve para ambos os personagens. A cena comum é quando o canibal é devorado pelos bichos do mato. Portanto, já que eu não mostro o primeiro jovem que transa com os porcos, assim, não o mostro quando é devorado pelos porcos: então, aquela outra cena substitui [esta]. O canibal mata o pai e devora carne humana, afinal, sendo devorado pelas feras; disto, induzimos que Julian é devorado pelos porcos" P. P.Pasolini, 'Porcile o no', in Il Dramma, cit., p81.

4O toque dos sinos apaga a sentença da boca do juiz.

5No filme realizado, a comunidade canibal é crucificada no chão, sob o sol, e devorada pelos cachorros; mas o roteiro prevê a comunidade 'selvagem' lançada no fogo do vulcão (enquanto a comunidade 'civilizada' os observa "livrando de si o mundo, para que não sobre um pouco de cinzas quentes e inocentes") e o canibal sepultado vivo "com a pressa de sepultar, esquecer". Ibidem.

6Pasolini, 'Porcile o no', cit. p. 83.

7Ver Durgnat: 1972, p. 209-242. 'Equivocation of the andorgyne', sobre Pasolini: Edipo Rei, Porcile, Teorema.

8Repetindo a pulsão dupla que Melanie Klein atribui aos 'objetos parciais' na psicanálise infantil.

9Notas fornecidas à imprensa na apresentação do filme em Veneza, 1969.

10No filme, além de escalar para os papéis dos 'pais burgueses' primorosos atores de commedia all'italiana, Ugo Tognazzi, Alberto Lionello ou o diretor Marco Ferreri, Pasolini trivializa suas fisionomias com máscaras suínas coladas no rosto, declarando o tom fabulístico em oposição à espontânea brutalidade do episódio 'primitivo', onde atuam Pierre Clementi e o sanguinho Franco Citti.

11Entrevista com Enrico Magrelli. Quaderni di FilmCritica: 1/Roma: Bulzoni, 1977.

12Notas fornecidas à imprensa na apresentação do filme em Veneza, 1969.

13O trauma da separação, que Pasolini memoriza como rejeição por parte do pai, é aludido em L'usignuolo della Chiesa Cattolica na figura da renegação, por parte de um deus severo, do Cristo herege que, nu, dá escândalo na cruz.

14'E l'Africa?', 30.1.63, in Bestemmia, Tutte le poesie, Milano: Garzanti, 1998, vol. I, p. 883. Carlo, 'em nome do pai', será protagonista, violentamente marcado por obsessão erótica, de Petrolio, o romance póstumo.

15'Poeta delle ceneri', org. por Enzo Siciliano in Nuovi Argomenti, Roma 67-68, julho-dez 80.

16"em cuja intimidade nós vivemos primeiro. Mas depois foi importante o amor da mãe com quem nós identificamos (…) não podemos mais conceber amor que não tenha a ternura materna. Aquele Primeiro Pai tem, portanto, ternura de mãe" cit. in Angelini: 2000, p. 29.

17"O tema central da primeira história, a solidão e o deserto, como negação de ambivalências compromissórias e alcancamento de um autêntico estado primordial de declarada sopraffação do outro, resolve-se num místico ato final de aceitação da morte, não menos decisivo do inicial ato de aniquilação da consciência". Giorgio de Vincenti, 'Porcile', Cinemasessanta, 75-76, abr/jun 70, pp. 116-117.

18Ver nota 15.

19Pasolini, in Bestemmia, cit, vol II, p. 2277.

20Angelini, Franca. Pasolini e o spettacolo. Roma: Bulzoni, 2000 p. 24.

21Por isso a insistência, no roteiro de Porcile, para que a ação se passe em 67 - "repito, em 67, e não nos anos sucessivos".

22Pasolini, 'Porcile o no', cit.

23"Esta ilusão gramsciana efetivamente acabou, eu não acredito mais nisso. Porque, objetivamente, mudou o mundo a minha frente. Enquanto ao tempo de Gramsci e ao tempo de minhas primeiras obras e de minha primeira ideologia, uma distinção precisa entre classe popular e classe burguesa ainda era possível, hoje, para ser objetivos, não o é mais. (…) A Itália entrou numa nova fase histórica. São outros os termos em que se apresentam os destinatários da obra". Pasolini, Cineforum, IX, 85, maio 69, p. 313.

24Pasolini, 'Porcile o no', cit. p 83.

25Pasolini, in Cineforum, cit. "Enquanto antes eu me sentia tentado de simplificar os problemas, dando-lhes um ritmo épico de maneira que se tornassem compreensíveis, portanto, consumáveis, agora, ao contrário, meu objetivo é a inconsumabilidade: portanto, a dificuldade, a enigmaticidade, a complexidade estilística". Iibidem.

26'La parola orale come meravigliosa possibilità del cinema', in Cinema Nuovo, XVIII, 2 01, set-out 69, pp. 363-4.

27Cahiers du cinema, 1969, entrevista, cit. in Cineforum, p.314

28Filmcritica 1, cit. p. 91.

29Cineforum, cit. p 314.

30Ibidem.

31Entrevista com Enrico Magrelli, cit. p.91.

32Manifesto per un nuovo teatro. Nuovi Argomenti, jan-mar 68, pp. 6-22.

33"Qual maravilhosa ocasião! Fazendo meus personagens falar, ao invés que uma língua naturalística e meramente informativa, só prudentemente dotada de picos de expressividade e vivacidade, a metalinguagem da poesia (qualquer poesia é metalingüística, pois cada palavra poética é uma opção não resolvida entre valor fônico e valor semântico), eu ressurgiria à poesia oral (perdida desde séculos no teatro) como uma técnica nova". Pasolini, 'La parola orale come meravigliosa possibilità del cinema', in Cinema Nuovo, XVIII, 2 01, set-out 69, pp. 363-4.



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